segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Alberto Caeiro, um precedente.

Obra: Os irmãos Karamazov.
Autor: Fiódor Dostoiévski.
Editora 34, 3º edição, 2012/2013.

Ivan, num diálogo com Aliócha (pág. 338) diz: "Há muito tempo resolvi não entender. Se eu quiser entender alguma coisa, então trairei imediatamente o fato, e eu resolvi ficar com os fatos..."

Parte II do poema O guardador de rebanhos, de Alberto Caeiro, segunda estrofe:

Creio no mundo como num malmequer,
Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender...
O mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo.

Temos um precedente. 

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Turgueniev, Dostoievski e Nietzsche: Os Idiotas, o Niilismo e suas contradições.

Dostoievski é um dos meus romancistas favoritos (senão, o favorito). É dele a medalha de exceção da minha vida iniciante de leitor: Eu não gosto de ler livros em e-book, mas li, uma única vez, e (já diziam os oftalmologistas) estragando minha vista defronte ao computador, a obra Noites Brancas. Parti (sem cuspe) para Crime e Castigo, Os Irmãos Karamazov, O Jogador e atualmente estou lendo O Idiota (neste meio tempo, algumas olhadelas em Netochka Nezvanova). 

Tomei conhecimento de textos (acadêmicos ou não) que traçam paralelos e diferenças entre o Niilismo de Fiódor e Nietzsche, usando como base os livros Os Irmãos Karamazov, daquele, e Assim falou Zaratustra, deste. Nos últimos dias, talvez por causa da leitura de O Idiota, pesquisei e me informei melhor sobre essa história niilista dos dois. Comento.

Li a obra-prima de Ivan Turgueniev (Pais e Filhos, 1862) há alguns meses, a qual trata do jovem Bazárov, um estudante naturalista que não consegue levar uma vida niilista, conforme propusera a si mesmo. Este livro populariza o termo "niilismo" na Rússia e provoca debates acalorados, dos quais o próprio Turgueniev foi vítima. 

Pais e Filhos influenciou Dostoievski, que cedeu espaço, na sua revista Tempo, para uma crítica favorável à obra de Ivan, feita por Nicolai Strakhov. Porém, por causa de um prefácio em uma das edições de Pais e Filhos (Dostoievski acusou Ivan de ter se submetido aos niilistas), e por causa do romance Fumaça, de Turgueniev, os dois escritores cortaram relações. 

Ficaram de mal, mas não intelectualmente.

Crime e Castigo (1866), O Idiota (1869) e Os Irmãos Karamazov (1881) trazem, dizem, uma narrativa simpática ao Niilismo, percebida principalmente nos atos e personalidade dos personagens. 

Raskólnikov (Crime e Castigo) mata uma velhinha e sua irmã com o fito de se tornar um homem extraordinário, pois só homens extraordinários estavam acima da moral e das leis; Karamazov pai (Os Irmãos Karamazov) é assassinado pelo Karamazov filho (Dmitri) na disputa pelo amor da mesma mulher, sem que o parricídio se mostrasse uma aberração, mas, ao contrário, uma atitude perfeitamente justificável; Em O Idiota, o Príncipe Míchkin, homem honrado, é rodeado de pessoas ultrajantes, sendo ele, porém, o ser inferior, digno de pena e escárnio (o idiota). 

Raskólnikov (o homem-extraordinário) teria sido, para Nietzsche, inspiração para o super-homem, símbolo do Niilismo ativo.  

Entretanto, como traço de toda e qualquer genialidade, a controvérsia também tem espaço em Dostoievski e Nietzsche. Há quem entenda que o Niilismo não é uma bandeira erguida e sustentada pelos braços de ambos, mas um estandarte para o qual se chama atenção e logo após é arremessado no chão e queimado em praça pública. 

O existencialismo em Fiódor seria a prova de que ele tinha, não simpatia, mas aversão à ausência de moral e crença, posto que a redenção humana seria o encontro com Deus. Nietzsche, em Genealogia da Moral, teria criticado abertamente o Niilismo, contrariando os que acham que o alemão de Röcken pode ser apontado como o autor desta corrente filosófica. 

As contradições, parece-me, é que são o ponto em comum destes contemporâneos oitocentistas. 

Quanto ao livro O Idiota, leitura muito recomendada.

domingo, 4 de agosto de 2013

Direitos Sociais e o possível da reserva

Direitos Sociais e o possível da reserva

Dos direitos humanos e sociais

Os Direitos Humanos - sem a pretensão de discutir seu conceito - são valores construídos nas sociedades no decorrer da História, encarregados de resguardar elementos materiais e imateriais mínimos capazes de dignificar a vida (não só a humana). Estes direitos, quando inseridos em documentos jurídicos, obrigam os indivíduos e o Estado a respeitá-los e aplicá-los, seja praticando ou não praticando condutas. Depois de positivados, ganham o título de Direitos Fundamentais. 

Os estudiosos falam em dimensões - ou gerações - de direitos, dada a sua elaboração ao longo dos séculos, sem que o surgimento de novos signifique o desaparecimento dos anteriores. As dimensões, a depender do conteúdo, se dividem em:

1º: direitos individuais, liberais, políticos, que implicam num não fazer do Estado. Nascidos no século XVIII, no contexto da Revolução Francesa (liberdade);

2º: diante do fracasso do Estado Liberal em materializar a paridade entre mulheres e homens, surgem os direitos econômicos, sociais e culturais, que implicam num fazer do Estado. Nascidos no século XIX e início do século XX, nos contextos da Revolução Industrial e dos preparativos para a Primeira Guerra Mundial (igualdade);

3º: surgidos após a Segunda Guerra, têm caráter difuso, coletivo, mirando a sociedade como um todo. Alcançam os direitos ambientais, de solidariedade, paz, autodeterminação dos povos, dentre outros (fraternidade);

Há os que defendem os direitos de 4º dimensão, que dizem respeito à genética e à biotecnologia. 

Direitos das três dimensões estão instituídos na Constituição Federal de 1988; Os individuais e coletivos, no art. 5º, e os sociais, do art. 6º ao 11º. Estes dispositivos preveem o acesso à educação, saúde, trabalho, moradia, lazer, segurança etc.

Direitos Sociais e a Teoria da Reserva do Possível 

Como dito, os direitos sociais surgem da necessidade do Estado amenizar as desigualdades sociais e promover a justiça social. Para tanto, é preciso recursos financeiros, angariados pelo ente estatal das mais diversas formas.

No entanto, no meio do caminho tinha uma pedra, tinha uma pedra no meio do caminho. 


De acordo com a doutrina e jurisprudência alemãs, confirmadas pelo Tribunal Constitucional Federal germânico durante um caso prático, a efetivação dos direitos sociais só é possível quando os recursos públicos necessários a sua aplicação estão disponíveis. Em outras palavras, tais direitos serão concretizados pelo Estado se e somente se existir meios que possam satisfazê-los (leia-se, meios econômicos, financeiros). Pior, este entendimento tem sido acolhido pelo modelo jurídico brasileiro. 


Vejamos. 


Consoante o § 1º do artigo 5º da Constituição Federal, “as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”. Este dispositivo afirma que os direitos sociais, enquanto direitos fundamentais, devem ser executados de pronto, tendo aplicabilidade, além de imediata, direta e integral. Não há que se ter limitações, e o Estado tem de efetuá-los instantaneamente. 


Quando o direito brasileiro ampara a chamada Teoria da Reserva do Possível, ele contradiz a própria Magna Carta, fundamento de todo o ordenamento jurídico. Se o Estado nacional reconhece os direitos sociais tão somente nos casos em que haja recursos econômicos, se está negando o que dispõe o § 1º do artigo 5º da CF, retirando sua aplicação imediata.


Não bastasse a bagunça jurídica, é absurdo emperrar a edificação de uma sociedade mais justa por causa de problemas "de caixa". Nas palavras de Dirley da Cunha Júnior, "Os problemas de "caixa" não podem ser guindados a obstáculos à efetivação dos direitos fundamentais sociais, pois imaginar que a realização desses direitos depende de "caixas cheios" do Estado significa reduzir a sua eficácia a zero, o que representaria uma violenta frustração da vontade constituinte e uma desmedida contradição do modelo do Estado do Bem-Estar Social."(1) E completa: "...a flagrante contradição entre a pretensão normativa dos direitos sociais e o fracasso do Estado brasileiro como provedor dos serviços públicos essenciais à efetivação desses direitos, garantidores de padrões mínimos de existência para a maioria da população."(2)


As crises econômicas dos países capitalistas estão cada vez mais periódicas. Estes momentos críticos, como mostra um relatório de 2013 do Parlamento Europeu (europarl.eur), têm como consequência claras violações aos direitos humanos, principalmente os sociais. Situações econômicas como a da Grécia, por exemplo, podem servir de desculpa para o desrespeito aos direitos conquistados pelos gregos, sobretudo na área social.


A Teoria da Reserva do Possível deve ser combatida e substituída pela Teoria do Possível da Reserva, pois o gozo dos direitos sociais não pode ficar condicionado à abundância de recursos financeiros. Pelo contrário, estes recursos precisam ser utilizados da melhor maneira possível para a satisfação e a realização da justiça social, não ficando sujeitos a fases vultosas das economias nacionais. 


(1) Júnior, Dirley da Cunha. Curso de Direito Constitucional. 3º. ed. Salvador: Jus Podivm, 2009, p. 737
(2) Ibidem, p. 738

sábado, 3 de agosto de 2013

Sistema Penitenciário Alagoano: De Foucault a Dário César

Sistema Penitenciário Alagoano: De Foucault a Dário César

Lendo o artigo intitulado “Sistema penitenciário alagoano: marcas de uma história”, que faz parte do livro “Violência e Criminalidade em mosaico” (Edufal, 2009), de autoria da professora e ex-coordenadora do curso de Direito da FDA/UFAL, Elaine Pimentel, escrito em parceria com Ruth Vasconcelos, vieram-me reflexões que aqui divido.

Foucault, em sua obra Vigiar e Punir, conclui que a prisão, este modelo que aí está, é um avanço se comparada com as antigas formas de punição. Os cavalos esquartejadores deixaram de existir e, em detrimento da pena corpórea, a "alma", em regra, passa a ser punida. Na maior parte do mundo, o castigo-mor em vigor é a privação de liberdade (a concepção de que a liberdade é o maior bem do ser humano e, portanto, sua retenção é a maior penalidade, advém de ideais iluministas).  

Regis Prado esclarece que, até chegarmos ao atual estágio de sistema penitenciário, passamos pelas seguintes experiências: Sistema filadélfico (isolamento celular, proibição de visitas, educação religiosa, v.g.), Sistema auburniano (isolamento celular noturno, trabalhos diurnos, proibição de visitas, lazer, exercícios físicos e atividades educacionais, v.g.), Sistemas progressivos (progressão de pena). Este último, até prova em contrário, vigora no nosso país.

O § 2º do art. 33 do Código Penal brasileiro prevê, para o preso, um cumprimento de pena baseado no sistema progressivo, nestes termos: “as penas privativas de liberdade deverão ser executadas em forma progressiva, segundo o mérito do condenado”. Ou seja: regime fechado → regime semiaberto → regime aberto, de acordo com as particularidades de cada sentenciado. A progressividade também é escrita na Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/84, art. 112). 

Outro aspecto do sistema progressivo é a individualização da pena, uma vez que ela não pode ser padronizada (idiossincrasia). A cada delinquente cabe a exata medida punitiva pelo que fez. Critérios como o tipo de crime cometido, a idade e o sexo de cada indivíduo devem ser levados em consideração.  

Pois bem. 

Em Alagoas, o sistema penitenciário assim se configura:

1 - Penitenciária Masculina Baldomero Cavalcanti de Oliveira: em tese construída com o fito da segurança máxima, e com um projeto arquitetônico que possibilitaria a aplicação da individualização da pena por tipo de crime e idade (em concordância legal), mostrou-se precária para ambos os propósitos;

2 - Presídio de Segurança Média Professor Cyridião Durval e Silva: instituído para receber os presos provisórios e desafogar o antigo Instituto Prisional Masculino São Leonardo, encontra-se em estado de superlotação; 


3 - Estabelecimento Prisional Desembargador Luiz Oliveira e Silva (em Arapiraca): designado para presos provisórios e condenados, apresenta falhas de segurança, facilitando a entrada de armas e drogas;


4 - Colônia Agroindustrial São Leonardo: destinada exclusivamente a condenados em regime semiaberto, a fim de promover atividades laborais (agricultura ou indústria), não funciona para nenhuma das duas finalidades; 


5 - Casa de Detenção: criada para abrigar os presos provisórios, também se encontra em estado de superlotação;


6 – Estabelecimento Prisional Rubens Braga Quintella Cavalcante: atual designação do antigo Instituto São Leonardo, acolhe os presos que aguardam julgamento, e igualmente percebe a superlotação carcerária;       


7 - Estabelecimento Prisional Feminino Santa Luzia (prédio anexo ao Baldomero Cavalcanti): com capacidade para 74 mulheres, não possui instalações adequadas para as gestantes e parturientes, ainda que tais direitos estejam previstos na Constituição (art. 5º, L) e na Lei de Execução Penal (art. 89). 


Deste modo, o único critério de individualização de pena observado pelo sistema prisional alagoano é o da separação por sexo (presídios masculinos e femininos). De mais a mais, tais complexos são assolados por problemas estruturais, administrativos e de pessoal, facilitando, por exemplo, a fuga de presos e a proliferação de doenças entre eles. 


Como se não bastasse, há dificuldades ainda mais graves. Exemplo disto é a ausência de um estabelecimento apropriado para o cumprimento de pena no regime semiaberto ou aberto, o que implica dizer, em outras palavras, que, se um indivíduo for condenado à pena privativa de liberdade nestes regimes, ele é solto (!), pois não há, em Alagoas, local adequado para o cumprimento de tal pena.


Segundo dados da Superintendência Geral de Administração Penitenciária (SGAP), atualizados em 01/08/2013, Alagoas possui 3.089 (três mil e oitenta e nove) presos, sendo 2.890 (dois mil, oitocentos e noventa) homens e 199 (cento e noventa e nove) mulheres. Do total, 1.257 (mil, duzentos e cinquenta e sete) condenados, 1.783 (mil, setecentos e oitenta e três) presos provisórios e 49 (quarenta e nove) sob medida de segurança (ver imagem abaixo).


Embora não seja único caso, o sistema penitenciário alagoano ratifica os pensamentos de Foucault, Zaffaroni e Pierangeli, e Baratta, respectivamente: a prisão como instrumento de repressão de delitos é uma ficção; o Direito Penal não seleciona condutas, seleciona pessoas; o Direito Penal viabiliza a conservação do  status quo, da realidade social, através de mecanismos de seleção, discriminação e marginalização.


Algumas visitas aos estabelecimentos prisionais de Alagoas mostrar-nos-ão que os pobres é que habitam as prisões e sofrem a pena de privação de liberdade, corroborando com a assertiva de Zaffaroni e Pierangeli: pessoas são selecionadas (os pobres), e não condutas. Esta seleção, dessarte, explica a posição de Baratta: o Direito Penal possibilita a conservação do status quo, reproduzindo a desigualdade social e sendo um reflexo desta. A pretexto de um discurso de combate igualitário ao crime e/ou à violência, as reais práticas das instituições penais não potencializam resoluções de problemas sociais, mas, ao contrário, reproduzem-nos e agravam-nos.


Não bastasse a patente impunidade que se confunde com a história de Alagoas, o  jus puniendi decai sobre uma parcela da população – tão só sobre ela – que tem no Direito Penal e no sistema prisional a força que a empurra para a marginalização total, somando-se a miséria. Cocitando Rusche e Disraeli na obra de Baratta (Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal): “A história do sistema punitivo é mais que a história de um suposto desenvolvimento autônomo de algumas instituições jurídicas. É a história das relações das “duas nações”, das quais são compostos os povos: os ricos e os pobres”.    


A sociedade em geral vislumbra a prisão como castigo. É a retribuição pelo crime cometido. A dor, o sofrimento como respostas ao mal causado. Porém, a sociedade esquece que grande parte da população carcerária, após cumprir a pena, volta à “sociedade livre”. A prisão deve, pois, ter caráter “recuperador”.


Ingressando no mérito da ressocialização, a possibilidade de um ex-presidiário não voltar a cometer crimes é remota, dada a realidade penitenciária do nosso Estado. Depreendendo-se que a ressocialização é o fim/consequência do sistema prisional, não nos custa perceber que ela é, ainda, fantasia. 


E mais: a punição pelo crime cometido ecoa para além dos muros da prisão, mesmo quando se ganha a liberdade. Podemos dizer que o condenado sofre em duas "instâncias penais": a institucional/prisional e a sociedade. Ora, se esta se acha no direito de continuar punindo o ex-presidiário, é patente a falta de confiança depositada no nosso sistema penitenciário, na medida em que, não obstante já tenha havido "castigo", ainda não nos sentimos satisfeitos.


Em linhas gerais, e de maneira má exposta, este é o panorama do sistema penitenciário alagoano.